O Complexo de
Fourrier
Ludwig Von Mises
Liberalismo
6. As raízes psicológicas do antiliberalismo
Não é tarefa deste livro discutir o problema da cooperação
social de outro modo, a não ser por meio de argumentos racionais.
Mas a raiz da oposição ao liberalismo não pode ser
compreendida lançando-se mão do método da razão.
Tal oposição não se origina da razão, mas de uma atitude
mental patológica — isto é, do ressentimento e de uma condição neurastênica que
se poderia chamar de "complexo de Fourier", assim denominado em razão
do socialista francês do mesmo nome.
No que se refere ao ressentimento e a malevolência invejosa,
pouco se tem a dizer.
O ressentimento ocorre quando alguém odeia tanto uma outra
pessoa, por esta encontrar-se em circunstâncias mais favoráveis, que este
alguém até mesmo se prepara para suportar pesadas perdas, se a pessoa odiada ao
menos pudesse também se prejudicar.
Muitos dos que atacam
o capitalismo sabem muito bem que sua situação, sob qualquer outro sistema
econômico, seria menos favorável.
Não obstante, com pleno conhecimento deste fato, defendem
uma reforma, isto é, o socialismo, porque anseiam que o rico, a quem invejam,
também sofra com isso.
De tempos em tempos, ouvimos socialistas dizerem que mesmo a
carência material será mais facilmente suportável em uma sociedade socialista,
porque as pessoas compreenderão que ninguém é melhor do que outro.
Em todo caso, também se pode lidar com ressentimento por
meio de argumentação racional.
Afinal, não é assim tão difícil deixar claro para uma
pessoa, que esteja cheia de ressentimento, que o mais importante para ela não é
tornar pior a situação de seu semelhante que esteja em melhor condição, mas
melhorar a sua própria situação.
Combater o complexo
de Fourier é muito mais difícil.
Trata-se de uma doença séria do sistema nervoso, uma
neurose, que é mais propriamente uma preocupação do psicólogo do que do
legislador.
No entanto, este complexo não pode ser negligenciado, ao se
investigarem os problemas da sociedade moderna.
Infelizmente, os profissionais da saúde, até aqui, têm-se
preocupado muito pouco com os problemas apresentados pelo complexo de
Fourier.
Na verdade, praticamente não chegaram a ser percebidos por
Freud, o grande mestre da psicologia, nem mesmo por seus seguidores, nas
teorias da neurose, embora seja para com a psicanálise que estejamos em débito,
por ter sido ela que nos abriu o único caminho que nos leva a uma compreensão
sistemática e coerente das desordens mentais desse tipo.
Aproximadamente uma
entre um milhão de pessoas obtém êxito na satisfação de sua ambição de
vida.
O resultado final dos esforços de uma pessoa, mesmo que seja
favorecida pela fortuna, acaba sendo muito menos do que desejam os sonhos da
juventude.
Planos e desejos esbarram em milhares de obstáculos, e a
capacidade de cada um se revela por demais frágil, para alcançar as metas que
se tinha estabelecido no íntimo.
O fim das esperanças, a frustração dos planos, a sua própria
incapacidade em face das tarefas que ele próprio se atribui — tudo isto
constitui a experiência mais profundamente dolorosa de todo homem.
São, de fato, a sorte comum dos homens.
Há dois modos pelos quais o homem pode reagir a esta
experiência.
Um deles nos é indicado pela sabedoria prática de Goethe:
Julgas tu que devesse
eu odiar a vida,
E evadir-me no ermo
Porque nem todos os
sonhos de criança
me floresceram?
Assim clama o Prometeu, de Goethe.
E Fausto percebe, no "momento mais sublime", que
"a última palavra de sabedoria" é:
Nenhum homem merece a
liberdade ou a vida
Se não as conquista a
cada dia.
Esta vontade e este espírito não podem ser subjugados por
qualquer infortúnio terreno.
Quem aceita a vida como ela é e não se permite abater-se,
não precisa buscar refúgio para sua derribada autoconfiança no conforto de uma
"mentira salvadora".
Se o tão esperado sucesso não se aproxima, se as vicissitudes
da vida destroem, num piscar de olhos, o que havia sido penosamente construído
por anos a fio de trabalho duro, a pessoa simplesmente procurará aumentar ainda
mais seus esforços.
Poderá encarar de frente o desastre sem se desesperar.
O neurótico não pode suportar a vida real.
A vida lhe é muito crua, muito dura, bastante
rotineira.
Para torná-la suportável, o neurótico não tem, como o homem
saudável, força para "prosseguir, a despeito de tudo".
Isto não combinaria com sua fraqueza.
Em vez disso, busca refúgio numa ilusão.
A ilusão, segundo Freud, é "ela própria algo desejado,
um tipo de consolação".
Caracteriza-se por sua "resistência a agir pela lógica
e pela realidade".
Por conseguinte, de
nada adianta procurar convencer o paciente de sua ilusão, por meio da
demonstração conclusiva de seu absurdo.
Para que possa recuperar-se, o próprio paciente deve
suplantá-la.
Ele deve procurar entender por que não deseja encarar a
realidade e por que se refugia nas ilusões.
Somente a teoria da neurose pode explicar o êxito obtido
pelo fourierismo, o resultado maluco de um cérebro seriamente tresloucado.
Este não é o lugar para fornecer evidências da psicose de
Fourier, citando passagens de seus escritos.
Tais descrições são de interesse apenas do psiquiatra e,
talvez, também daqueles que extraiam certo prazer em ler o produto de uma
fantasia lúbrica.
Mas o fato é que o marxismo, quando se viu obrigado a deixar
o campo da pomposa retórica dialética, o escárnio e a difamação dos seus
oponentes e a fazer algumas parcas observações pertinentes à questão, nunca tem
algo diferente a oferecer, além do que oferecia Fourier, o
"utópico".
De modo semelhante, o marxismo é incapaz de construir um
quadro de uma sociedade socialista, sem apresentar dois pressupostos
anteriormente apresentados por Fourier, que contradizem toda experiência e toda
razão.
Por um lado, pressupõe que o "substrato material da produção", que se encontra "já presente na natureza sem a
necessidade de esforço produtivo por parte do homem", está à nossa
disposição em tal abundância que se torna desnecessário economizá-la; daí a crença do marxismo em um
"crescimento praticamente ilimitado da produção".
Por outro lado, pressupõe que, em uma comunidade socialista,
o trabalho se transformará de "um
fardo em um prazer" — e que, de fato, se transformará "na necessidade primordial da
vida".
Se houver um lugar onde haja superabundância de todos os
bens, e o trabalho seja um prazer, sem dúvida, este lugar será a terra de Cockaigne.
O marxismo, das alturas de seu "socialismo científico", acredita-se capacitado a olhar
com desdém sobre o romantismo e os românticos.
Na realidade, porém, seu próprio comportamento não difere do
comportamento destes.
Ao invés de remover os empecilhos que se colocam no caminho
da realização dos seus desejos, também o marxista prefere que todos os
obstáculos simplesmente desapareçam na bruma da fantasia.
Na vida do neurótico, a "mentira
salvadora" tem dupla função.
Não apenas o consola de fracassos passados, mas também
mantém a perspectiva do progresso futuro.
No caso do fracasso social, que é nossa única preocupação
aqui, a consolação consiste em acreditar que a incapacidade de alguém atingir
as sublimes metas a que aspira não deve ser atribuída á sua própria
incapacidade, mas às deficiências da ordem social.
O descontente espera da derrocada desta ordem social o
sucesso que o sistema existente lhe recusou.
Consequentemente, torna-se inteiramente inútil tentar
esclarecer para ele que a utopia em que acredita não é factível e que o único
alicerce possível para uma sociedade, organizada sobre o princípio da divisão
de trabalho, é a propriedade privada dos meios de produção.
O neurótico se aferra à sua "mentira salvadora" e, quando tem de escolher entre
renunciar a ela ou à lógica, prefere sacrificar a lógica.
De outro modo, a vida seria insuportável para ele, na
ausência do consolo que encontra na ideia do socialismo.
Ela lhe diz que não é
ele, mas o mundo, que falhou por ter-lhe causado o fracasso.
Esta convicção o resgata da decaída autoconfiança e o libera
do tormentoso sentimento de inferioridade.
Assim como um mártir cristão podia mais facilmente suportar
o infortúnio que recaiu sobre ele na terra, porque esperava na continuação da
existência pessoal em um outro mundo melhor, onde aqueles que na terra tinham
sido os primeiros seriam os últimos, e os últimos os primeiros, assim, para o
homem moderno, o socialismo tornou-se um
elixir contra a adversidade terrena.
Porém, se a crença na imortalidade, numa recompensa futura e
na ressurreição forma um incentivo a uma conduta virtuosa nesta vida, o efeito
da promessa socialista é bem diferente.
Outro dever não se lhe impõe senão o de dar sustentação
política ao partido socialista; mas, ao mesmo tempo, faz surgir expectativas e
demandas.
Sendo este o caráter do sonho socialista, é compreensível
que cada um dos partidários do socialismo dele espere, precisamente, o que, até
então, lhe tem sido negado.
Os autores socialistas prometem não apenas riqueza para
todos, mas também a felicidade no amor para todos, o pleno desenvolvimento
físico e espiritual de cada individuo, o desabrochar dos grandes talentos
artísticos e científicos em todos os homens etc.
Recentemente, Trotsky afirmou, em um dos seus escritos, que
na sociedade socialista "o homem
médio alcançará as alturas de um Aristóteles, um Goethe, ou um Marx. E acima dessa cumeada de montanhas, novos
picos surgirão"
O paraíso socialista será o reino da perfeição, povoado por
super-homens totalmente felizes.
Toda literatura socialista está cheia desta bobagem.
Mas é justamente esta
bobagem que move a maior parte dos seguidores.
Não se pode mandar todo mundo que sofre do complexo de
Fourier para um tratamento psicanalítico; o número dos pacientes é muito alto.
Não há remédio para este caso, a não ser o tratamento da
doença pelo próprio paciente.
Por si só, ele deve procurar aprender a suportar o seu
destino, sem buscar um bode expiatório sobre o qual possa jogar toda a culpa, e
precisa se esforçar para compreender as leis fundamentais da cooperação
social.
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Excelente seu artigo e seu blog. Parabéns!
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